Tuesday 19 June 2012

Atrasado

De manhã. Corrida para sair de casa e garantir a chegada atempada à escola.

Estou a pentear os dois mais pequenos. Acabo os totós da minha filha – Pipi dos Totós Altos (auto-intitulada).

O meu “penúltimo” aguarda na fila à porta da casa de banho. Senta-se na minha cama.

Não param de falar. Comigo. Um com o outro. Sozinhos.

É uma corrente ininterrupta de palavras que jorrem continuamente das duas pequenas bocas.
Vou emitindo grunhidos e outros sons que confirmam a minha atenção mas por vezes o meu cérebro começa a vaguear.

Elaboro mentalmente uma lista das tarefas do dia:
1.- Lavar os equipamentos de natação e preparar as respectivas mochilas.
2.- Levar a Kuka ao veterinário.
3.- Passar no banco.
4.- Ir às compras. Não. Essa fica para o meu marido.
5.- Falar com o empreiteiro sobre …

- A minha professora chama-me atrasado…
- Diz?

Estava distraída. Não percebi bem. Pareceu-me que o meu filho me disse…

- A minha professora chama-me atrasado, Mãe…

Regresso instantâneo ao presente. Sinto a tensão a crescer nos músculos do pescoço.
Tenho de fazer um esforço para desbloquear o maxilar e pedir-lhe, num tom natural, para repetir o que disse.

- Chama-te o quê?
- Chama-me atrasado…

- Quem? Como é que te chama atrasado? – solto uma gargalhada que pretende revelar a minha descontracção mas os agudos da minha voz estão ligeiramente… agudos.

- A minha professora de Inglês

Chama o quê ao meu filho? Aquela desgraçada!

Passo o tempo a tentar ensinar aos meus filhos como comportar-se em sociedade. Não permito trocas de insultos entre eles ou com outros. Banimos certas expressões do seu vocabulário.

Tentamos incutir-lhes o respeito pelo próximo.

E agora vem esta … (insultos não publicáveis) chamar nomes ao meu filho.

São estes os professores que andam a formar os nossos filhos?

E é este o exemplo dado a uma criança de seis anos??

Tento imobilizar a minha expressão com um sorriso inócuo para não deixar transparecer a raiva que sinto crescer.
Nunca interfiro com o trabalho dos professores. Dou-lhes sempre razão mesmo quando não concordo com algumas atitudes. Procuro não desautorizá-los.
Mas esta vai ter que me ouvir!
E é já!

Apago a lista de tarefas.
Vamos já para a escola e vou pôr-lhe os pontos nos i’s. Se não foi educada, vai levar um tratamento expresso…

- Quando entro na sala e a aula já começou ela diz: Olha! Chegou o atrasado!

“I'm retarded - I mean I'm retired.
Frank Serpico


Saturday 12 May 2012

Feliz Dia da Mãe!

Daniel, 7 anos. Sentado à mesa a tomar o pequeno almoço.

"Oh Mãe, tu e o Pai não condizem." afirma enquanto me observa.

"Não condizemos??"

Olho para o meu marido para ver se me está a escapar alguma coisa. Levanta os ombros e abana a cabeça. Fico a pensar no significado da expressão. Não condizemos porque as nossas roupas não têm cores complementares ou iguais, não condizemos porque temos feitios diferentes, ou não...

"Não, não condizem." Afirmação confirmada, sem hesitação.

Olho para ele. Tento desvendar o que se passa por trás dos dois olhos enormes que estão concentrados na tigela de cereais. Tem o cabelo despentado e um bigode de leite.

"Não condizemos como, Píri?"

"Oh Mãe, não condizem. Porque tu és linda e o Pai não!"

Hoje termino o texto sem a habitual citação. Mais palavras para quê?

Feliz Dia para todas as Mães!!!

Monday 16 January 2012

O sexo e a idade

Ainda não percebi se é do frio, da idade ou das hormonas ou do frio que sinto devido às alterações hormonais provocadas pela idade, mas a minha libido anda em baixo, e o meu marido anda a queixar-se…

Antes de ter filhos (na Fase Pré-Primeiro-Enjoo-Matinal) estava sempre com disposição, mas hoje em dia existem uma série de limitações que restringem o desencadear do processo. E o meu marido anda a queixar-se…

Já discutimos vezes sem conta a diferença intrínseca entre sexos e a necessidade que todos os machos (salvo raras excepções) têm de espalhar a sua semente. A natureza monógama do matrimónio obriga o marido a recorrer sempre à mesma fêmea e obriga a fêmea a estar muito mais disponível. O problema, para o meu marido, é que a minha disponibilidade está directamente ligada não ao meu clítoris mas ao meu cérebro… E com os anos, tenho cada vez mais coisas a ocupar o meu pensamento. Libertá-lo para uns momentos de prazer requer por isso cada vez maiores esforços.

Sei que é injusto. Ele habituou-se a determinado ritmo. Agora sente-se enganado. Alterei as condições do contrato a meio do prazo…

Já tentou elaborar uma lista mas acabou por desistir. Decidi por isso ajudá-lo e enumerar:

“Todos os Factores Impeditivos de Termos Sexo”

1.- Depois da meia-noite. Já lá vai o tempo das noitadas de prazer. Hoje em dia existe um horário e é para cumprir. Depois da meia-noite encerro a actividade.

2.- De manhã: só antes dos miúdos acordarem. Não consigo atingir o orgasmo quando os ouço a brincar no quarto deles e quando, a qualquer momento, espero ouvir “Mãe, quando é que nos vens buscar?”

3.- De manhã: nunca antes das 7h00 (sistema encerrado das 0h00 às 7h00). Se me tiver deitado tarde na noite anterior ou ao fim de semana, nunca antes das 10h00.

4.- Durante o dia: só se os miúdos não estiverem em casa, se a casa estiver limpa e se o jantar desse dia e do dia seguinte já estiver preparado.

5.- Durante o dia: nunca se faltarem menos de duas horas para o início da recolha dos miúdos da escola. Quando faltam duas horas começo a preparar-me psicologicamente para o regresso da tribo…

6.- Antes do banho: não. Estou a precisar de tomar banho. Não me sinto nada sexy.

7.- Depois do banho, ainda com o cabelo molhado: não. Porque molha os lençóis e a almofada e porque depois vou ficar com preguiça e sem vontade de esticar e secar o cabelo e vou parecer uma bruxa o resto do dia.

8.- Depois do banho já com o cabelo seco: não. Porque o cabelo está seco e esticado. Não vou estragá-lo e ficar despenteado.

Bem, agora que pus tudo preto no branco vejo que a janela de oportunidade ficou “bem piquinininha”. Se calhar tenho que trabalhar um pouco nisto e mudar algumas coisas…

Women need a reason to have sex. Men just need a place.
Billy Crystal

Parabéns

Faço anos.
39.
E estou de folga.

Para o meu corpo não pensar que com o avançar da idade chegou o tempo de descansar, decido castigá-lo logo de manhã com uma corrida de 1h30.

Depois de levar o rebanho à escola vou ao local onde costumo treinar. Está frio mas não chove. É agradável sentir o vento na cara.
Com o mp3 nos ouvidos inicio o percurso normal. Vou cumprimentando os “habitués”.

Aos poucos apercebo-me que o espaço vai ficando mais vazio. Ao sair de um caminho estreito e mais isolado, vejo um homem parado uns 100m mais à frente.

Imediatamente sinto um friozinho na espinha. Neste local as pessoas não ficam paradas. Correm, andam, passeiam com crianças ou com cães ou com cães e crianças. Sozinhos ou acompanhados, mas sempre em movimento.

100m. À medida que me aproximo reparo que ele está a “ajeitar as calças”.
Ok, já arrumaste o material. Agora apercebes-te que estou a aproximar-me e vais parar.

50m. A actividade continua. Se calhar ainda não reparou que estou a aproximar-me

30m. Vira-me as costas. Será que está a ir-se embora? Considero a hipótese de dar meia volta. Olho em redor mas não vejo mais ninguém. A perspectiva de regressar para o caminho isolado não me agrada. Decido seguir em frente e tento desviar-me o mais possível para a direita do sujeito.

10m. De repente vira-se para mim com todo o material exposto.
Não tenta aproximar-se. Não diz nada. Simplesmente olha para mim enquanto passo por ele a correr…

Não sei qual é o objectivo da exibição. Chocar? Ofender? Assustar?
Não sei qual é a reacção que ele espera mas depois de passar não consigo evitar sorrir pelos pensamentos que me passam pela cabeça.

1º pensamento: Ainda bem que acontece ao fim de 35 min de corrida, quando ainda tenho pernas para um sprint.

2º pensamento: pfffffff! Não mereço isto… Hoje faço anos… Estou velha para isto…

Até para isto estou velha!?!

Age is an issue of mind over matter. If you don't mind, it doesn't matter.
Mark Twain

Noite

Minutos antes das 20h, parámos o carro ao lado do portão de casa. Deitado na lama do passeio estava um gato, visivelmente ferido, assustado e coberto de lama.Pomos de imediato o plano de salvamento em acção: eu salvo o gato e o Nuno salva o jantar dos nossos filhos.

1 hora depois consigo finalmente, com a ajuda da Associação Entre Gatos, apanhar o gato, não sem antes de este me ter perfurado o ...dedo.

Levo o gato à clínica veterinária da Tapada das Mercês.Secamo-lo com um secador, tiraram-se uns raios-x mas não foi dada qualquer medicação.

No final e apesar de não ter sido diagnosticado qualquer fractura o Otto, assim baptizado na sua ficha de admissão, morreu.

Desilusão.

Desgosto.

Tristeza.

Amargura também, quando cheguei à recepção e paguei a módica quantia de 116€.116€ para um gato que aparentemente terá um dono que estará agora à procura dele.

116€ para uma consulta e uns raios-x e a utilização de um secador de cabelo.

116€ para um gato que não é meu, que não atropelei mas que foi atropelado por alguém que não quis parar para ajudá-lo.

116€ para perceber que, se calhar nem toda a gente tem os meios para ajudar os animais em sofrimento na estrada

Café

Por motivos profissionais sou obrigada a passar uma semana em Maputo. Esta viagem não programada coincide com o início, não programado, de um novo projecto profissional do meu marido e com o fim, programadíssimo, da construção da nossa casa nova. Tradução: Não posso nem levar o meu marido nem deixar os meus filhos com ele, porque ele não pode fazer o que faz de melhor que é tomar conta deles quando não estou.
Até à última tento arranjar uma troca. Até à última espero uma solução milagrosa, mas nos dias que antecedem a minha partida rendo-me às evidências. Tenho que levar os três mais pequenos comigo. Trato, a correr, das formalidades necessárias para levá-los para Moçambique.
Chego ao dia do voo exausta, antes de começar.
Uma viagem de longo curso não é pêra-doce. Á noite e em económica ainda é mais dura. Acompanhada de 3 minorcas transforma-se numa odisseia. Desde a quase perda dos passaportes (que ficaram numa casa de banho do aeroporto) à organização das dormidas, numa posição quase vertical, tudo contribuiu para a minha chegada quase rastos ao nosso hotel.

Ao vê-los a correr no relvado à volta da piscina afasto de imediato qualquer hipótese de dormir um pouco, apesar de ainda serem 6h da manhã (5h para nós).

Sento-me à mesa do pequeno-almoço e os sons emitidos pelo meu estômago recordam-me que nem tive tempo de comer.
Quando termino a refeição sinto a moleza a invadir-me o corpo.
Em desespero peço um café, na esperança de conseguir manter os olhos abertos o resto do dia.

Os meus filhos aproximam-se da mesa. Olham para a minha chávena com surpresa.

“O que é que estás a beber, Mãe?”

“Café.”

“Café??” – nunca me viram a beber café, não temos sequer café em casa…

“Sim.” – só consigo responder por monossílabas.

“Porquê?”

“Porque dizem que o café acorda.”

“Ah é?”

“É”

“Quem é que diz?”

“As pessoas.”

“Quais pessoas?”

Suspiro.

“As pessoas que bebem café.”

“Ah é?”

“É.”

Espera.

“E funciona, Mãe?”

Suspiro.

“Não sei, depois digo-vos.”

Espera.

“Quando, Mãe?”

Suspiro. Olho em redor à procura do empregado e faço-lhe sinal para me trazer mais café. Sinto que vou precisar.

No Panda

- Pisco, dá-me um beijo!

Dá-me um abraço acompanhado de um beijo na boca.

- Agola dá-me tu.

Dou-lhe um beijo na boca.

- Não Mãe, não é axim. Dá-me um beijo como na televijão.
- ?!

Agarra-me na cara e cola a boca dele à minha. Não me larga e vai inclinando a cabeça para um lado e para o outro.

- Já chega! (não me larga, segura a minha cabeça com as duas mãos) Não consigo respirar!

Ri-se, mas não me larga. Continua de olhos fechados a inclinar a cabeça para um lado e para o outro.

- Já chega! Termino o nosso beijo fazendo-lhe cócegas.
- Sabes Mãe, é axim que os senhores fazem na televisão!

Não sei que programas passam no Panda, mas vou passar a prestar mais atenção…

Thursday 6 October 2011

Bolhas

Vou levar nas orelhas por contar esta...

Ok, a história não tem a ver com crianças. Mas tem a ver com adultos a fazer figura de urso… é quase igual, não?

Em Espanha, com o meu marido.

Passámos um fim-de-semana fantástico, o que normalmente significa que estamos exaustos por andar a pé quilómetros sem fim. Desta vez exageramos, até para nós. O meu marido tem os pés desfeitos. Calçou sapatos novos para o fim-de-semana e deu-se mal. Tem bolhas nos dois pés.

Antes de partir para o aeroporto entramos numa farmácia para comprar pensos para as bolhas nos pés.

Vou fazer aqui um pequeno parêntese.

Não falo espanhol. Percebo mas recuso-me a falar. Fico irritada quando eles não percebem o que dizemos em português como se fosse uma língua completamente diferente. “Café? No entiendo. Ahhh! Café!”

Como tenho mau feitio recuso-me fazer qualquer esforço e falo sempre em português. Ter um marido que fala fluentemente espanhol facilita muito as nossas deslocações ao país vizinho.

Na farmácia vou vendo a loja enquanto o meu marido vai pedir os pensos para bolhas à funcionária. Não acompanho o diálogo, mas o meu cérebro regista a conversa.

- Bom dia, queria pensos.
- Pensos?
- Sim pensos. Tenho uma bolha.

A mudança imediata de ambiente na farmácia faz-me levantar a cabeça.
Noto a expressão estranha da moça que atende o meu marido.

- Como?
- Tenho uma bolha! Preciso de um penso.

Nova expressão estranha. Nojo? Não consigo perceber.

- Como?
- Uma bolha! Quer que lhe mostre?

Horror! É definitivamente horror.


- Não, não! Não, não! Será terror na voz? Não temos...

Exasperado o meu marido aponta para uma embalagem de pensos rápidos.

– Dê-me esses então.

Pagamos e saímos da loja.
Sinto o olhar das funcionários a acompanhar a nossa saída.


- Que estranho, não achas?
-Não percebi o que se passou ali dentro...

Dois dias depois, já confortavelmente sentados no sofá.

De repente, do nada, ouço uma gargalhada a sair da garganta do meu marido.

- ?!

Mais risos…

- Queres partilhar?
- Já sei o que se passou em Madrid…
- …
- Sabes como é que se diz bolha em espanhol?
- Não faço ideia .
- Nem eu.
- Nem tu? Mas tu pediste os pensos para bolhas na farmácia…
- E fiz como faço sempre quando não conheço a palavra em espanhol.
- ?!
- Substituí o B por um P.
- E?
- E não é bem isso!

Para os incultos, como eu, sugiro a visualização de qualquer filme para adultos em espanhol…

Tuesday 27 September 2011

Tróia

Decidimos passar um dia diferente e resolvemos ir até Tróia.
Levantamo-nos cedo para preparar o pic-nic para todos.
A mistura explosiva de excitação e cansaço resulta em birras e rabujice generalizados.
As coisas acalmam um pouco quando embarcamos no navio que faz a travessia do Tejo.
A brisa levanta os ânimos.

Continuamos o caminho. Sei que quero ir para uma praia isolada.
Procuramos um lugar onde parar o carro.
Desembarque de filhos, malas, pranchas, sacos de comida, sacos de toalhas.
Entramos nas dunas. A praia é já ali à frente atrás da duna…

Depois da primeira duna ficamos desiludidos por perceber que afinal a extensão de areia se prolonga até outra duna. As crianças começam a resmungar. Pegamos nos mais pequenos às cavalitas e encorajamos os mais velhos: “é já ali… Vamos já para a água… Está quase…”

Subimos a duna e finalmente vemos… mais areia.
Mar, nem vê-lo. Lanço um olhar para avaliar o ânimo do meu marido. Está imperturbável. Ignoro os protestos dos mais velhos e continuamos a caminhar. Agora em silêncio. Está calor, muito calor e sinto o sol a queimar-me os braços.
Tentamos aliviar o ambiente com piadinhas e músicas. Estamos a andar há 20 minutos…

Finalmente chegamos à ultima colina.
“Já estamos a chegar!! Consigo ouvir o mar!”
Não obtenho qualquer resposta.
“Se a praia não estiver atrás desta duna, fazemos o pic-nic aqui nas dunas.”

“Olha podia ser pior, digo para o meu marido, tentando aliviar um pouco a tensão. Imagina esta caminhada toda e agora chegávamos a uma praia de nudistas…”
O meu marido pára, vira-se para trás e fica a olhar para mim…

Subimos a duna a rir. Um rir nervoso.
Estamos quase a chegar ao topo. Vejo o mar!
“Olhem o mar!! Estou a ver o mar!”

Noto que o meu marido abranda o passo. Ultrapasso-o para conseguir ver primeiro o mar, finalmente o mar.
Um movimento na areia do meu lado esquerdo atrai o meu olhar.
Vejo um senhor sentado nas dunas. Apercebo-me que está agachado atrás de um arbusto.

“Se calhar é só…”
“Não. É mesmo um mirone.” diz o meu marido.

Continuamos a caminhar. Ao mesmo tempo que surge o oceano à nossa frente reparo num chapéu de sol amarelo, mesmo ao lado do nosso caminho, quase nas dunas. Não há qualquer dúvida sobre o tipo de actividade que está a decorrer debaixo do chapéu. Abrando mas tento não parar. Agora não há volta a dar. Pelo silêncio que me segue, sei que todos estão a partilhar a mesma cena. Olho para trás e vejo o meu marido parado a apressar o passo dos mais velhos, tentando tapar com o corpo o chapéu de sol amarelo. “Vá, despachem-se lá. Toca a andar…”.
O pequeno que está às suas cavalitas arrisca-se a um torcicolo ao tentar virar-se para trás para perceber o que todos estão a ver.


Continuo a avançar. “que estes sejam os únicos. Que estes sejam os únicos. Que estes sejam os úni…”
O meu pensamento é interrompido com a visão de um casal cinquentão que se passeia à beira-mar. Totalmente, completamente, absolutamente nuzinhos, sem um único trapinho.
Outro casal está sentado com os pés na areia. Pela falta de marca na cintura não preciso esperar que se levantem para saber que também não usam fato de banho.
Outras pessoas estão na praia. Umas sozinhas. Outras em grupo. Umas sentadas, outras a andar ou a jogar à bola (sim, à bola…).

Espero pelos meus filhos e encorajo-os a não parar enquanto me dirijo a um lugar mais isolado na praia.

Arrastam as pranchas pela areia e andam a passo de caracol. Olham de soslaio para tentar recolher o máximo de informação sem dar nas vistas. Mas o esforço é tanto que se esquecem de fechar a boca.

Aposto que dentro de 10 minutos vou concretizar o meu desejo e ter uma praia deserta só para nós…

Acaba

- Oh mãe! Hoje estás tão gira!!!
Solto uma gargalhada.
- Parece que tens as pernas escuras…
Aproxima-se e põe as suas mãos nas minha pernas.
- São leggings, mãe?
- São collants, Pisca.
- É giro… Gosto…
Faz-me festas nas pernas, fascinada com a sensação que o contacto com o nylon lhe provoca.

Sento-me no chão ao lado dela.

- E gosto desta camisola. É gira. É nova mãe?
- Não, Pisca, não é nova.
- Mas nunca tinha visto…

Mexe-me nos ombros.

- Como é que se chama esta camisola, Mãe?

- Como é que se chama?

- Sim, como é que se chamam estas camisolas assim sem mangas?
Ah! Já sei! É uma camisola com manga acaba…

Sometimes the laughter in mothering is the recognition of the ironies and absurdities. Sometime, though, it's just pure, unthinking delight.
Barbara Schapiro

Wednesday 1 June 2011

Politiquices

No carro, a caminho da escola.

Filho do meio, 6 anos: - Mãe, sabias que o Sócrates está cansado?

Risos

- É mesmo! Eu vi! Ele está cansado!
- Porque é que dizes que está cansado Pisco?
- Porque está rouco.

Risos.

Filha de 4 anos, indignada: - É verdade! O mano tem razão! O Xócrates está rico!! (os meus “gémeos falsos” estão sempre prontos a defender-se um ao outro)

Mais risos.

Filho de 8 anos, rindo: - Ela tem razão, também está rico…

- Rouco mana, o Sócrates está rouco.
- Isso! Está rouco! (baixinho) O que é rouco, mano?
- É quando se fica sem voz. Eu vi! Ele está quase sem voz. É porque está cansado… Tem que ser prostituído.

Galhofa geral.

(ofendido) - É mesmo! Eu ouvi! Ele está cansado e o Passos de Coelho vai prostituí-lo!

"Politics is supposed to be the second oldest profession. I have come to realize that it bears a very close resemblance to the first."
Ronald Reagan

Não estou pronto!

- Tens de vir para casa! Não estou preparado para isso!
O pânico audível através do telefone deixa-me apreensiva…

- No carro a Isabel perguntou-me se tínhamos pensos em casa. Disse-lhe que sim. Perguntou-me de que tipo é que eram. Disse-lhe que eram pensos normais. Alguns com bonecos e outros normais. Perguntou-me se tinham abas. Disse-lhe que não sabia. Que eram pensos normais. Afinal que ferida é que ela tinha? Disse-me “não Pai, não é esse tipo de pensos… Preciso de pensos higiénicos…”

Acreditas nisto? Não estou preparado para isso! Tens de voltar para casa!!

Asneira

A benjamim da família é uma menina de quatro anos com grandes olhos pretos, pele morena, caracóis dourados, boca grande e sorriso rasgado.
Ao contrário da mãe, é muito feminina.
Só quer usar saias (calças só nos dias de ginástica e de natação) e nunca sai de casa sem (pelo menos) um batom na mala.
Come a sopa com receio de ser removido o verniz (deixo a acetona à vista em cima da mesa).
Usa e abusa de acessórios. Ainda hoje de manhã fui acordá-la e encontrei-a a dormir na cama com os óculos de natação (cor de rosa) na cabeça e uma malinha rosa enfiada no braço.

Mas este pequeno ser com ar doce e angelical tem também um lado um tanto ou quanto selvagem.

Trepa vedações e paredes de escalada sem qualquer receio, corre ao lado dos irmãos que andam de bicicleta, desce os escorregas de cabeça e com a barriga para cima…
Chora quando lhe apetece (função tear on demand) e sempre que acha que vale a pena.
Faz placagens “à wrestling” e aplica chaves de pescoço a qualquer irmão que procura aproximar-se dela para beijá-la ou abraçá-la.
Por vezes até rosna…

Esta versão Mr Hide da minha filha mereceu um “petit nom” carinhoso cujo o uso está reservado em exclusivo aos membros mais próximos da família: “O Bicho”.

“O Bicho” surge quando a princesa se sente apertada, derrotada, irritada, melindrada, contrariada ou simplesmente cansada.

O meu marido em particular aprecia muito esta mutação da personalidade e tudo faz para possibilitar exibições do Bicho.

Dia da semana, depois da escola, na cozinha em casa.

A minha filha passa ao lado do pai que não resiste e dá-lhe um caldo.

“Pai!!!”

Retribui de imediato o gesto com uma palmada no rabo do pai.

Começa uma troca de “carícias” entre Pai e filha. A pequena tenta dar e fugir mas o Pai consegue sempre acertar-lhe em último.

“Já sabes que sou sempre o último a dar…”

Vejo os primeiros sinais da transformação a aparecer.
O olho brilha.
Ri-se mas sinto que está com vontade de chorar.
De raiva serra e fala entre os dentes.

“Já estou a começar a ficar irritada…” expressão que arranca uma gargalhada ao pai.

“Estou a ficar muito irritada… Daqui a pouco digo uma asneira…”

Troco um olhar surpreendido com o pai que, divertido, aumenta a cadência dos toques.

“Dizes uma asneira? Então diz lá...”

“Se continuares vou dizer mesmo…”

“Diz lá…”

“Vou dizer…”

Quero saber o que vai sair daí. Fico a observar a luta que se desenrola à minha frente.

“Estou à espera…”

“Olha que digo mesmo…”

“Quero ouvir isso…”

“Tu é que pediste: ASNEIRA!”

Soltamos uma gargalhada.

“O que é? Eu disse que dizia: asneira.”

Saída airosa de uma situação espinhosa…

Insanity is hereditary – you get it from your children
Sam Levenson


Saturday 16 April 2011

Lições de vida...

- Ajuda o teu irmão!
- Pára de imitar a tua irmã!
- Não batas nos pequenos!
- Não faças queixas do teu irmão. Ninguém gosta de queixinhas.

Passo o dia a tentar apaziguar os ânimos e a fomentar a solidariedade entre manos.

Tento explicar-lhes a importância dos irmãos na nossa vida, mas sei, por experiência própria que só tomarão consciência da dimensão que a relação fraterna ocupa no nosso coração quando forem mais crescidos.

Talvez devido ao momento difícil que estamos a passar, o meu pensamento volta sempre ao meu irmão.

Procuro recordações da minha infância e ele está em todas. Sem excepção.

Aprendemos e crescemos juntos. Foram lições sobre os mais variados temas…

Ensinou-me química quando entornou um bidon de lixívia na alcatifa nova que a minha mãe tinha comprado especialmente para o quarto dele.
A lição continuou com um capítulo dedicado às propriedades dos líquidos quando tentou disfarçar o “incidente” tapando a enorme mancha amarela na alcatifa verde alface com metade da roupa que tinha no quarto. Ficamos os dois muito admirados por ver que a lixívia não só descolorava alcatifas mas também roupas…

Ensinou-me Artes Plásticas às quartas-feiras à tarde quando tentávamos, com as aguarelas da escola, disfarçar os riscos que tínhamos feito na porta do quarto um do outro durante as nossas tardes de discussão, numa trégua decretada apressadamente porque ouvíamos o carro dos nossos pais a estacionar à porta de casa.

Ensinou-me biologia quando resolveu comer uma embalagem de manteiga em pouco mais de uma hora. Aprendi três coisas nessa ocasião: que não se come manteiga à colherada; que não se fica ao pé de alguém que comeu uma embalagem de manteiga à colherada e que quando se fica perto dessa pessoa os sintomas se propagam pelo ar nomeadamente vomitamos como se tivéssemos comido o pacote de manteiga.

Ensinou-me sobre sobrenatural, quando no decorrer da lição anterior esguichou vómito do 1º piso para o rés-do-chão pela escada numa exibição que impressionaria Carol Anne do Poltergeist.

Ensinou-me sobre sexualidade quando, com uns 8 anos (e ele com 5) decidimos copiar um beijo “à cinema” e nos aproximamos um do outro de olhos fechados, com a língua esticada para fora, até fugirmos um do outro aos gritos horrorizados pela sensação de ter tocado na língua do outro.

Ensinou-me sobre peso e medida porque medíamos tudo: quantidade de coca-cola nos copos, de pudim nas tigelas, de chocolates na Páscoa, de gomas ao fim-de-semana.

Ensinou-me a escrever quando resolvi começar a colocar etiquetas com o meu nome na “minha” comida no frigorífico.

Ensinou-me a lutar quando lhe dava grandes enxertos de porrada.

Ensinou-me a controlar a minha ira, quando durante uma das nossas sessões de luta lhe parti os óculos e foi fazer queixinhas à nossa mãe, tendo conseguido que me fosse aplicado um valente castigo.

Ensinou-me a negociar quando atingiu 1m75 e percebi que era urgente arranjar formas alternativas de assegurar o meu domínio sobre ele.

Ensinou-me a olhar para a frente quando ando de bicicleta. Bateu num carro estacionado porque estava a olhar para as mudanças (que naquele tempo eram no quadro da bicicleta).
Esta lição incluiu também uma lição de física. Ensinou-me que os dentes, ao contrário da chapa, não se amolgam com um impacto. Esta lição custou-lhe o dente da frente que ficou cravado na mala do carro.

Ensinou-me também a não andar de bicicleta na berma de lagoas porque o perigo de escorregarmos e cairmos nelas é real. Nessa lição aprendi também a vazar água das botas de borracha ANTES de chegar a casa.

Ensinou-me a não mandar a bola para uma lagoa quando esta, ainda no início do inverno, está coberta por uma camada de gelo aparentemente suficientemente forte para suportar o peso do meu pai. O meu Pai aprendeu que o que aparenta nem sempre é. E que é difícil conduzir quando estamos encharcados e gelados. Foi uma lição muito frutífera para toda a família…

Ensinou-me praticamente tudo o que sei…

Insanity runs in my family. It practically gallops.
Cary Grant

Pela sanita abaixo...

Sentados à mesa à hora de jantar.

“Hoje no carro o Afonso perguntou-me o que é cremar. Expliquei-lhe que nós queremos ser cremados.”

“E disseste-lhes onde deveriam espalhar as cinzas?”

“Sim, o pai disse que era na Praia Grande!”

“E sabem porque é que é na Praia Grande?”

Silêncio dos rapazes.

“Eu xei! Eu xei! É porque vocês começaram a namorar na Praia Grande!”

Típica mulher, descartou toda a conversa sobre funerais mas fixou os pormenores românticos.

Risos.

“É isso mesmo Pisca!”

“Oh Pai, e como é que levo as cinzas? Num saquinho?”

Risos.

“Numa urna. É um jarro com uma tampa.”

“Para mim não gastes dinheiro com isso. Leva-me num tupperware.”

Risos.

“Oh Pai, mas porque é que tem que ser na Praia Grande? Não posso antes deitar as cinzas na lareira?”

“Na lareira? E depois quando limpas a lareira?”

“Depois? Mando as cinzas para o lixo…”

“Para o lixo? Para o lixo? Vais mandar-nos para o lixo?”

Risos.

Podia ser pior. Podiam despejar-nos pela sanita abaixo…

Life does not cease to be funny when people die any more than it ceases to be serious when people laugh.
George Bernard Shaw

Amor fraterno

Mano, esta é para ti.

Porque rir ajuda a melhorar.

E tens de ficar bom.

Ainda me falta dar-te mais uns caldos…

Quando era pequena, com uns 9 ou 10 anos, vivia nos subúrbios de uma capital de um país do norte da Europa. Os meus pais trabalhavam de manhã à noite na cidade. A escola ficava na capital perto do trabalho deles mas a nossa casa situava-se nos subúrbios a uns 20km de distância. Como não havia aulas às quartas-feiras à tarde apanhava o autocarro para casa. Ia sozinha com o meu irmão que tinha cerca de 6 anos e devo dizer que todas as viagens foram aventuras. Enganámo-nos nos autocarros e íamos parar às aldeias erradas. Perdemo-nos vezes sem conta. Fizemos quilómetros a pé, à boleia ou de táxi, tudo às escondidas dos meus pais excepto uma vez em que tivemos que lhes ligar porque já era noite e o nevão ameaçava deixar-nos presos numa estrada desconhecida.

Não vale a pena tentar perceber, eu sou da geração dos lápis com chumbo e do mercurocromo.

Voltando à história. O autocarro deixava-nos no centro da aldeia e fazíamos o resto do percurso a pé. Eram cerca de 2 km numa estrada sempre a subir.

Fazíamos todo o caminho a discutir um com o outro

É preciso fazer aqui um pequeno parêntese para explicar a natureza da nossa relação naqueles tempos. Passávamos todo o tempo juntos. TODO O TEMPO. Íamos à mesma escola, dormimos muitos anos no mesmo quarto, como os meus pais trabalhavam muito éramos despachados juntos para casa de familiares. Éramos unha e carne. Ou melhor, carraça e cão. Porque ele não me largava nem por nada. Infernizava-me a vida como só os irmãos mais novos conseguem fazer. E eu fazia questão de retribuir-lhe o favor.

O meu irmão, sendo muito preguiçoso e um pouco gorducho, fazia o caminho todo a arrastar-se e a queixar-se porque eu não lhe permitia paragens durante o percurso (ele, sendo gorducho, precisava descansar…).

Sendo também muito brilhante descobriu um dia uma forma de contornar este problema. Descobriu que para poder descansar bastava-lhe chegar a um ponto antes de mim. Assim podia sentar-se e descansar enquanto eu não chegava (porque vinha a andar normalmente). Pôs de imediato o plano dele em acção. Correu 100m e sentou-se, feliz por poder recuperar o fôlego. Estranhei o procedimento (novo) mas continuei a caminhar com o mesmo passo. Quando cheguei perto dele levantou-se e repetiu a proeza. Correu 100m e sentou-se. Feliz. O idiota, perdão tonto, nem se apercebia que estava a cansar-se mais por correr do que se fosse a andar.

Dentro da lógica da nossa relação não demorei muito a tentar encontrar uma forma de lhe estragar o descanso. Quando me aproximei dele pela terceira vez levantou-se e começou a correr. Ao fim de uns metros apercebeu-se que eu estava a correr atrás dele. Tentou acelerar mas não conseguiu distanciar-se.

- Porque é que estás a fazer isso? Perguntou ofegante a olhar para trás.

- Assim chegamos mais depressa!

- Pára! Assim não consigo descansar!

- Azar o teu! (acompanhado de riso maquiavélico)

Não demorou muito a começar a chorar.

Quando agora imagino a nossa figura não consigo deixar de sorrir. Dois miúdos com menos de 10 anos, carregados com mochilas enormes, a correr pela estrada fora aos gritos um com o outro. Ele loiro e branquinho, pequeno, gorducho, com um dente da frente partido e óculos com armação em massa e lentes de fundo de garrafão (era lindo…). Eu morena e escura, mais alta, magríssima e com ar de cigana.
Ele a chorar e eu com riso de bruxa.

Desistiu de correr e continuou a chorar.

Comecei a “estimulá-lo” a acelerar o passo com uns caldos bem assentes.

Ele encolhia-se e tentava desviar-se, mas sem sucesso.

De repente ouvi uma voz feminina.

“O que é que estás a fazer?”

Interrompi de imediato o castigo. Vi uma senhora com um chapéu com abas largas. Estava a tratar do seu jardim e deve ter-nos visto (e ouvido) a aproximar.

O meu irmão está ao meu lado, encolhido (à espera do próximo caldo).

“Devias ter vergonha de tratar assim o teu irmão. Porque é que estás a bater-lhe?”

Envergonhada não me atrevo a olhar para ela, quanto mais responder-lhe.

Não sei como escapar desta situação.

De repente vejo o meu irmão a endireitar-se.

Olha para a senhora. Começa a levantar o braço.

Lá vai ele fazer queixinhas… Bebé chorão!

Estica o indicador...

“A minha irmã bate em mim quando quiser!”

A senhora fica sem resposta. Incrédula olha para ele.

Ele está a sorrir para mim e arranca a correr. Sigo logo atrás dele.

Uns metros à frente, já em segurança abrandamos. Ainda estou a tentar perceber o que se passou… O meu irmão caminha erecto, cheio de confiança por ter desafiado um adulto.

“Porque é que fizeste isso?”

“Acreditas naquela mulher? Com que direito é que ela manda em nós? Ela sabe lá da nossa vida…!”

Pois, com genes assim, os meus filhos não têm qualquer hipótese de ser normais…

“Call it a clan, call it a network, call it a tribe, call it a family. Whatever you call it, whoever you are, you need one."
Jane Howard

Wednesday 9 March 2011

Carnaval

“Do que é que se querem mascarar este ano? Já pensaram nisso? Eu tive uma ideia. Mascarávamos a mana de Branca de Neve e vocês eram os três Anões. O que é que acham?”

“O Carnaval é para os pequenos! Já não tenho idade para me mascarar!”

Primeira baixa…

“Isso não tem piada nenhuma…”

Segunda…

“Pois é Mãe, nós não somos anões…”

Só me resta uma anã. Posso descartar a ideia…

“Eu quero ser Homem das Cavernas. Pode ser mãe? Achas que dá?”

“Acho que sim”

“E tu, Pisca, o que é que queres ser?”

“Eu quero xer uma borboleta.”

“Borboleta? Que foleiro! Porque é que não vais de palhaça? Ficavas muito mais gira!”


“Cada um escolhe o que quer ser… Tu nem te queres mascarar!”


“Já dexidi! Quero xer uma borboleta!”

“E tu, Pisco, já decidiste?”

“Não sei…”

“Podias ir de velhote…”

“Ou de cigano…”

“O que é um cigano Mãe?”

“Eu xei! Eu xei!”

“Então diz lá Pisca.”

“Os ciganos fumam-se!”

Monday 14 February 2011

Shakira, Shakira

Está a dar “Loca” da Shakira no rádio do carro.

Já chegamos ao nosso destino (a escola) mas ficamos sentados para ouvir a benjamim a cantar uma das suas músicas favoritas do momento (ela tem muitas, passa o dia a cantar e a dançar).

"I’m crazy botchu laakit
Rrouca, rrouca, rrouca
You laak tatit aint izy
Rrouca, rrouca, rrouca."

Os irmãos já tentaram explicar-lhe que é louca e não rouca, mas ela teima que a Shakira diz rouca (“o rapaz diz louca, mas a Shakira diz rrouca, não é Mãe?).

Termina a música. Todos tiram o cinto. A pirralha salta para o banco da frente e senta-se ao meu colo. Deixa os manos sair do carro.

“Sexo é asneira Mãe?”

Faço um esforço para impedir que o iogurte liquido que tenho na boca saia projectado para o interior do pára-brisa (a minha filha tem 4 anos).

“Não, quer dizer… não é uma asneira… É uma palavra que os adultos utilizam, mas não é uma palavra para se andar aí sempre a dizer.”

“Pois, foi o que eu dixe aos manos…”

Salta para o passeio.

“Mas porque é que perguntas isso?” pergunto tentando disfarçar o meu desconforto.

“Por nada…”

Agarra na mochila e fica à espera que eu fecho o carro para acompanhá-la até ao portão.

“Não, diz-me lá…” (tenho que saber mais...) “Onde é que aprendeste esta palavra?”

“Oh Mãe…” revira os olhos e levanta as mãos.

“Mas diz-me lá, tu sabes o que é sexo?” tenho medo da resposta…

“Claro que xei! Toda a gente na minha sala xabe!” (o JI já não é o que era…) “e todos fazemos!”

Sustento a respiração e páro. Como estamos de mãos dadas ela é obrigada a parar e vira-se a olhar para mim.

“Como assim, todos fazem sexo? O que é que é sexo?”

“Oh Mãe, tu sabes, é quando a Shakira dança assim” põe as mãos nas ancas e abana as ancas para a frente e para trás.

Ufa…



Don't worry that children never listen to you; worry that they are always watching you.
Robert Fulghum

Tuesday 1 February 2011

Há mais palhaços no circo

Qualquer ajuntamento de mães leva sempre a um único tema de conversa: os filhos.

Lembro-me de, em tempos longínquos, ficar exasperada sempre que era obrigada e interagir com uma manada de mães. Revirava os olhos, suspirava e pensava que a maternidade levava certamente à morte de uns quantos neurónios… Jurava para mim própria que nunca seria assim…

Como em muitas outras coisas na vida, com a idade, tive que engolir todas as minhas palavras, resoluções e críticas.

E agora faço parte da manada…

Há dias estava com umas amigas e rapidamente começamos a partilhar as nossas experiências.

Sei que relato aqui sempre aventuras na primeira pessoa, mas vou abrir uma excepção.
Porque esta história fez-me rir. Fez-me sentir bem por saber que há mais mães com histórias como as minhas.

Porque não nos sentimos tão mal quando sabemos que não somos os únicos palhaços do circo…

Por isso quero partilhá-la convosco.

A minha amiga Sofia (nome fictício) é uma jovem mãe. Tem três rapazes com 2, 4 e 6 anos.

Como todas as mães, está sempre a correr.
Certo dia chega a casa e estaciona o carro na garagem do prédio.
O Martim, 2 anos, está a dormir na cadeirinha atrás dela.
Agarra nos sacos de compras, sai do carro e fecha a porta.

Quando tenta abrir a porta de trás para retirar o Martim do carro apercebe-se que esta está trancada. Pousa os sacos no chão e começa a procurar a chave. Ao fim de um bocado, já enervada e com o conteúdo dos sacos espalhado no capot do carro, olha para o interior do carro e verifica com um aperto no coração que a chave está na ignição.

Trancou a chave dentro do carro. Pior, trancou a chave e o filho dentro do carro…

No lugar de passageiro está a mala dela, com telemóvel e chaves de casa.

Tenta reprimir a vontade de gritar e procura controlar o pânico que lhe faz apertar o nó que sente na garganta.
Contorna o carro. Experimenta todas as portas e a mala. Verifica freneticamente se todos os vidros estão fechados, se não existe nenhuma brecha…
Após alguns minutos a esperança desvanece. O carro está selado.
Por momentos considera a hipótese de partir o vidro para retirar o filho do carro.
Olha para o Martim, que, confortável na sua cadeirinha, continua a dormir.
Não o quer assustar, por isso não há muitas soluções… Vai ter que deixá-lo sozinho para procurar ajuda…

Sobe as escadas do prédio a correr e vai bater a todas as portas dos vizinhos.
Corre até encontrar alguém em casa. Tenta explicar-lhe o que se está a passar e pede-lhe o telefone para ligar para o pai, que tem uma chave da sua casa.

Finge não ver o olhar reprovador do vizinho (“Que tipo de mãe é esta que tranca o filho no carro??”) enquanto explica o sucedido ao pai. Pede-lhe para vir ter com ela com a chave de casa. Em casa dela está a chave suplente do carro.

O Pai promete ir de imediato em seu socorro mas está no emprego. Terá que sair do trabalho, ir até casa dele buscar a chave e, de seguida, ir ter com ela. Vai demorar um pouco.
Aliviada, agradece ao vizinho e regressa a correr para a garagem.
Quando chega ao carro o Martim está acordado. Sossegado não parece estar assustado.
A Sofia coloca-se junto ao vidro e, tentando disfarçar o pânico que sente, sorri para ele.
De repente ocorre-lhe que uma ideia.

“Martim… Martim!!”

O Martim olha para a mãe.

“Martim, tira o braço do cinto…”

“?!?”

“Martim, filho, ouve a Mamã. Tenta tirar o bracinho do cinto… Com o braço esticado agarra neste botão aqui” aponta para a botão que tranca a porta “e tenta puxá-lo para cima”

O Martim olha para ela mas parece não estar a perceber o que a mãe lhe está a dizer.
A Sofia suspira. Não sabe se o Martim não a percebe ou se não a está a ouvir.
Não quer gritar para não deixar transparecer o seu desconforto.
Junta-se ao carro e coloca a boca perto do vidro do carro.

“Martim… puxa este botão para cima…”

O Martim inclina-se para a frente e estica o braço.

“Isso filho! Isso! Agarra este botão e puxa…”

Mas o braço do Martim afasta-se do botão em questão. Inclinado para a frente parece estar a tentar alcançar o brinquedo que está aos pés do assento.

“Não Martim!! Este botão aqui! Puxa este botão aqui… Martim, ouve a M…”

De repente o vidro da porta começa a baixar.

Boquiaberta vê o filho a largar o manípulo do vidro da porta.

Endireita-se e olha para ela com um olhar inquisidor.

“Diz, Mãe? Não conxigo ouvii o que dixes…”

“If you ever start feeling like you have the goofiest, craziest, most dysfunctional family in the world, all you have to do is go to a state fair. Because five minutes at the fair, you'll be going, 'you know, we're alright. We are dang near royalty.'”
Jeff Foxworthy