Ao contrário da mãe, é muito feminina.
Só quer usar saias (calças só nos dias de ginástica e de natação) e nunca sai de casa sem (pelo menos) um batom na mala.
Come a sopa com receio de ser removido o verniz (deixo a acetona à vista em cima da mesa).
Usa e abusa de acessórios. Ainda hoje de manhã fui acordá-la e encontrei-a a dormir na cama com os óculos de natação (cor de rosa) na cabeça e uma malinha rosa enfiada no braço.
Mas este pequeno ser com ar doce e angelical tem também um lado um tanto ou quanto selvagem.
Trepa vedações e paredes de escalada sem qualquer receio, corre ao lado dos irmãos que andam de bicicleta, desce os escorregas de cabeça e com a barriga para cima…
Chora quando lhe apetece (função tear on demand) e sempre que acha que vale a pena.
Faz placagens “à wrestling” e aplica chaves de pescoço a qualquer irmão que procura aproximar-se dela para beijá-la ou abraçá-la.
Por vezes até rosna…
Esta versão Mr Hide da minha filha mereceu um “petit nom” carinhoso cujo o uso está reservado em exclusivo aos membros mais próximos da família: “O Bicho”.
“O Bicho” surge quando a princesa se sente apertada, derrotada, irritada, melindrada, contrariada ou simplesmente cansada.
O meu marido em particular aprecia muito esta mutação da personalidade e tudo faz para possibilitar exibições do Bicho.
Dia da semana, depois da escola, na cozinha em casa.
A minha filha passa ao lado do pai que não resiste e dá-lhe um caldo.
“Pai!!!”
Retribui de imediato o gesto com uma palmada no rabo do pai.
Começa uma troca de “carícias” entre Pai e filha. A pequena tenta dar e fugir mas o Pai consegue sempre acertar-lhe em último.
“Já sabes que sou sempre o último a dar…”
Vejo os primeiros sinais da transformação a aparecer.
O olho brilha.
Ri-se mas sinto que está com vontade de chorar.
De raiva serra e fala entre os dentes.
“Já estou a começar a ficar irritada…” expressão que arranca uma gargalhada ao pai.
“Estou a ficar muito irritada… Daqui a pouco digo uma asneira…”
Troco um olhar surpreendido com o pai que, divertido, aumenta a cadência dos toques.
“Dizes uma asneira? Então diz lá...”
“Se continuares vou dizer mesmo…”
“Diz lá…”
“Vou dizer…”
Quero saber o que vai sair daí. Fico a observar a luta que se desenrola à minha frente.
“Estou à espera…”
“Olha que digo mesmo…”
“Quero ouvir isso…”
“Tu é que pediste: ASNEIRA!”
Soltamos uma gargalhada.
“O que é? Eu disse que dizia: asneira.”
Saída airosa de uma situação espinhosa…
Insanity is hereditary – you get it from your children
Sam Levenson
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