Saturday 16 April 2011

Amor fraterno

Mano, esta é para ti.

Porque rir ajuda a melhorar.

E tens de ficar bom.

Ainda me falta dar-te mais uns caldos…

Quando era pequena, com uns 9 ou 10 anos, vivia nos subúrbios de uma capital de um país do norte da Europa. Os meus pais trabalhavam de manhã à noite na cidade. A escola ficava na capital perto do trabalho deles mas a nossa casa situava-se nos subúrbios a uns 20km de distância. Como não havia aulas às quartas-feiras à tarde apanhava o autocarro para casa. Ia sozinha com o meu irmão que tinha cerca de 6 anos e devo dizer que todas as viagens foram aventuras. Enganámo-nos nos autocarros e íamos parar às aldeias erradas. Perdemo-nos vezes sem conta. Fizemos quilómetros a pé, à boleia ou de táxi, tudo às escondidas dos meus pais excepto uma vez em que tivemos que lhes ligar porque já era noite e o nevão ameaçava deixar-nos presos numa estrada desconhecida.

Não vale a pena tentar perceber, eu sou da geração dos lápis com chumbo e do mercurocromo.

Voltando à história. O autocarro deixava-nos no centro da aldeia e fazíamos o resto do percurso a pé. Eram cerca de 2 km numa estrada sempre a subir.

Fazíamos todo o caminho a discutir um com o outro

É preciso fazer aqui um pequeno parêntese para explicar a natureza da nossa relação naqueles tempos. Passávamos todo o tempo juntos. TODO O TEMPO. Íamos à mesma escola, dormimos muitos anos no mesmo quarto, como os meus pais trabalhavam muito éramos despachados juntos para casa de familiares. Éramos unha e carne. Ou melhor, carraça e cão. Porque ele não me largava nem por nada. Infernizava-me a vida como só os irmãos mais novos conseguem fazer. E eu fazia questão de retribuir-lhe o favor.

O meu irmão, sendo muito preguiçoso e um pouco gorducho, fazia o caminho todo a arrastar-se e a queixar-se porque eu não lhe permitia paragens durante o percurso (ele, sendo gorducho, precisava descansar…).

Sendo também muito brilhante descobriu um dia uma forma de contornar este problema. Descobriu que para poder descansar bastava-lhe chegar a um ponto antes de mim. Assim podia sentar-se e descansar enquanto eu não chegava (porque vinha a andar normalmente). Pôs de imediato o plano dele em acção. Correu 100m e sentou-se, feliz por poder recuperar o fôlego. Estranhei o procedimento (novo) mas continuei a caminhar com o mesmo passo. Quando cheguei perto dele levantou-se e repetiu a proeza. Correu 100m e sentou-se. Feliz. O idiota, perdão tonto, nem se apercebia que estava a cansar-se mais por correr do que se fosse a andar.

Dentro da lógica da nossa relação não demorei muito a tentar encontrar uma forma de lhe estragar o descanso. Quando me aproximei dele pela terceira vez levantou-se e começou a correr. Ao fim de uns metros apercebeu-se que eu estava a correr atrás dele. Tentou acelerar mas não conseguiu distanciar-se.

- Porque é que estás a fazer isso? Perguntou ofegante a olhar para trás.

- Assim chegamos mais depressa!

- Pára! Assim não consigo descansar!

- Azar o teu! (acompanhado de riso maquiavélico)

Não demorou muito a começar a chorar.

Quando agora imagino a nossa figura não consigo deixar de sorrir. Dois miúdos com menos de 10 anos, carregados com mochilas enormes, a correr pela estrada fora aos gritos um com o outro. Ele loiro e branquinho, pequeno, gorducho, com um dente da frente partido e óculos com armação em massa e lentes de fundo de garrafão (era lindo…). Eu morena e escura, mais alta, magríssima e com ar de cigana.
Ele a chorar e eu com riso de bruxa.

Desistiu de correr e continuou a chorar.

Comecei a “estimulá-lo” a acelerar o passo com uns caldos bem assentes.

Ele encolhia-se e tentava desviar-se, mas sem sucesso.

De repente ouvi uma voz feminina.

“O que é que estás a fazer?”

Interrompi de imediato o castigo. Vi uma senhora com um chapéu com abas largas. Estava a tratar do seu jardim e deve ter-nos visto (e ouvido) a aproximar.

O meu irmão está ao meu lado, encolhido (à espera do próximo caldo).

“Devias ter vergonha de tratar assim o teu irmão. Porque é que estás a bater-lhe?”

Envergonhada não me atrevo a olhar para ela, quanto mais responder-lhe.

Não sei como escapar desta situação.

De repente vejo o meu irmão a endireitar-se.

Olha para a senhora. Começa a levantar o braço.

Lá vai ele fazer queixinhas… Bebé chorão!

Estica o indicador...

“A minha irmã bate em mim quando quiser!”

A senhora fica sem resposta. Incrédula olha para ele.

Ele está a sorrir para mim e arranca a correr. Sigo logo atrás dele.

Uns metros à frente, já em segurança abrandamos. Ainda estou a tentar perceber o que se passou… O meu irmão caminha erecto, cheio de confiança por ter desafiado um adulto.

“Porque é que fizeste isso?”

“Acreditas naquela mulher? Com que direito é que ela manda em nós? Ela sabe lá da nossa vida…!”

Pois, com genes assim, os meus filhos não têm qualquer hipótese de ser normais…

“Call it a clan, call it a network, call it a tribe, call it a family. Whatever you call it, whoever you are, you need one."
Jane Howard

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