Saturday 16 April 2011

Lições de vida...

- Ajuda o teu irmão!
- Pára de imitar a tua irmã!
- Não batas nos pequenos!
- Não faças queixas do teu irmão. Ninguém gosta de queixinhas.

Passo o dia a tentar apaziguar os ânimos e a fomentar a solidariedade entre manos.

Tento explicar-lhes a importância dos irmãos na nossa vida, mas sei, por experiência própria que só tomarão consciência da dimensão que a relação fraterna ocupa no nosso coração quando forem mais crescidos.

Talvez devido ao momento difícil que estamos a passar, o meu pensamento volta sempre ao meu irmão.

Procuro recordações da minha infância e ele está em todas. Sem excepção.

Aprendemos e crescemos juntos. Foram lições sobre os mais variados temas…

Ensinou-me química quando entornou um bidon de lixívia na alcatifa nova que a minha mãe tinha comprado especialmente para o quarto dele.
A lição continuou com um capítulo dedicado às propriedades dos líquidos quando tentou disfarçar o “incidente” tapando a enorme mancha amarela na alcatifa verde alface com metade da roupa que tinha no quarto. Ficamos os dois muito admirados por ver que a lixívia não só descolorava alcatifas mas também roupas…

Ensinou-me Artes Plásticas às quartas-feiras à tarde quando tentávamos, com as aguarelas da escola, disfarçar os riscos que tínhamos feito na porta do quarto um do outro durante as nossas tardes de discussão, numa trégua decretada apressadamente porque ouvíamos o carro dos nossos pais a estacionar à porta de casa.

Ensinou-me biologia quando resolveu comer uma embalagem de manteiga em pouco mais de uma hora. Aprendi três coisas nessa ocasião: que não se come manteiga à colherada; que não se fica ao pé de alguém que comeu uma embalagem de manteiga à colherada e que quando se fica perto dessa pessoa os sintomas se propagam pelo ar nomeadamente vomitamos como se tivéssemos comido o pacote de manteiga.

Ensinou-me sobre sobrenatural, quando no decorrer da lição anterior esguichou vómito do 1º piso para o rés-do-chão pela escada numa exibição que impressionaria Carol Anne do Poltergeist.

Ensinou-me sobre sexualidade quando, com uns 8 anos (e ele com 5) decidimos copiar um beijo “à cinema” e nos aproximamos um do outro de olhos fechados, com a língua esticada para fora, até fugirmos um do outro aos gritos horrorizados pela sensação de ter tocado na língua do outro.

Ensinou-me sobre peso e medida porque medíamos tudo: quantidade de coca-cola nos copos, de pudim nas tigelas, de chocolates na Páscoa, de gomas ao fim-de-semana.

Ensinou-me a escrever quando resolvi começar a colocar etiquetas com o meu nome na “minha” comida no frigorífico.

Ensinou-me a lutar quando lhe dava grandes enxertos de porrada.

Ensinou-me a controlar a minha ira, quando durante uma das nossas sessões de luta lhe parti os óculos e foi fazer queixinhas à nossa mãe, tendo conseguido que me fosse aplicado um valente castigo.

Ensinou-me a negociar quando atingiu 1m75 e percebi que era urgente arranjar formas alternativas de assegurar o meu domínio sobre ele.

Ensinou-me a olhar para a frente quando ando de bicicleta. Bateu num carro estacionado porque estava a olhar para as mudanças (que naquele tempo eram no quadro da bicicleta).
Esta lição incluiu também uma lição de física. Ensinou-me que os dentes, ao contrário da chapa, não se amolgam com um impacto. Esta lição custou-lhe o dente da frente que ficou cravado na mala do carro.

Ensinou-me também a não andar de bicicleta na berma de lagoas porque o perigo de escorregarmos e cairmos nelas é real. Nessa lição aprendi também a vazar água das botas de borracha ANTES de chegar a casa.

Ensinou-me a não mandar a bola para uma lagoa quando esta, ainda no início do inverno, está coberta por uma camada de gelo aparentemente suficientemente forte para suportar o peso do meu pai. O meu Pai aprendeu que o que aparenta nem sempre é. E que é difícil conduzir quando estamos encharcados e gelados. Foi uma lição muito frutífera para toda a família…

Ensinou-me praticamente tudo o que sei…

Insanity runs in my family. It practically gallops.
Cary Grant

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