Fui comprar lenha. Odeio ir comprar lenha. Normalmente estou isenta desta tarefa, mas desta vez calhou-me.
O Daniel está em casa e oferece-se para me acompanhar.
No caminho ligo para o meu marido para perguntar onde é que costumamos comprar a lenha e para queixar-me da minha sorte (não sei onde fica, não sei qual é a lenha “boa”, se calhar não têm multibanco, vou sujar a carrinha, …).
Ele finge não perceber a minha tentativa de livrar-me da tarefa e dá-me indicações precisas sobre o caminho. Antes de se despedir deixa um último aviso: “Olha que o homem é fanhoso. Não é fácil perceber o que ele diz.”
Era mesmo isso que eu queria! Ir fazer uma coisa que não gosto, num sítio que não conheço, com uma pessoa que não percebo… Deve ser bonito. Preciso de legendas quando ouço reportagens sobre portugueses das ilhas. Não percebo metade do que dizem os brasileiros. Quando vamos para o norte o meu marido traduz pacientemente praticamente todos os diálogos. Nunca falei com um fanhoso…
Chegamos ao nosso destino. Saio do carro e dirijo-me ao homem que está nas instalações. Coragem… Sorriso nos lábios…. Concentra-te!
“Boa tarde! Queria comprar meia tonelada de lenha para salamandra” (transmitir o máximo de informações à partida para tentar evitar perguntas difíceis).
O senhor dirige-se para o monte de lenha e faz-me sinal para estacionar a traseira do carro junto ao local onde se encontra a balança.
Faço a manobra. Respiro fundo e volto a sair do carro.
“Qtpdlnhaqr?”
Paro e olho para ele. Tento disfarçar a minha perplexidade.
Pensa numa resposta… Diz qualquer coisa….
O senhor aponta para dois montes distintos de lenha. Escolho um. Não sei qual é a diferença. É tudo lenha. Há de arder…
Livrei-me desta.
O Daniel chama-me. Aproveito a desculpa e volto para ao pé do carro.
“Mãe, poxo xair do caio e ficai contigo?” (tem quase 4 anos mas continua a falar à bebé)
“Podes Píri.” Tiro-lhe o cinto e ajudo-o a sair do carro.
Dá-me a mão e voltamos para junto da balança. A minha tortura está quase a acabar…
“Boa taide!” (Lindo o meu filho… Sempre bem educado. Agora cala-te. Não quero mais situações embaraçosas.)
“Olá”. Aperta-lhe a mão. O meu filho observa, fascinado, a colocação da madeira no cesto que depois vai para a balança.
“Já tabaias aqui há muito tempo?” (Não! Não é o momento de exibires os teus dotes sociais!!! Não vais perceber o que ele te diz e não vou conseguir traduzir-te a resposta dele e vou passar por arrogante e….)
“Xá … ….. …. anox.”
Mantenho o sorriso imóvel nos lábios. (Eu já sabia!!! E agora como é que…)
“Ah é? E usas xempe essas luvas?”
Paro. Olho para o meu filho. Não pode ser…
“Xim ... ... ... …”
“Poix é. E assim não magoas as mãos… E quantas vezes tens de encher a tua caixa poi dia?”
Incrédula acompanho o desenrolar da conversa.
Só percebo um dos interlocutores, mas aparentemente sou a única com dificuldades em entender o diálogo que se estabeleceu.
“Na minha caza é meu Pai que arruma xempe a lenha”
“… … ... ...”
“Pois é. E também levas lenha paia a tua caza?”
“... ... ... ... ... ... ..?”
“Tenho, tenho um mano e duas manas.”
“…..!”
“A mana tem 12, o mano tem 6 e a mana pequena tem 2”
“…… …… …..?”
“3”
“Daniel, deixa o senhor trabalhar”
“Nã faz mal, eu g….” (até eu percebi essa)
Continuam a trocar informações, totalmente alheios à minha cara de parva.
Quando termina o carregamento, leva o meu filho pela mão e vai mostrar-lhe as máquinas utilizadas para rachar a lenha. O Daniel está eufórico e o senhor também parece muito satisfeito por ter encontrado um companheiro.
Regressam para junto do carro.
“O xenioi Luís também tem um neto que se chama Daniel, como eu, mas tem 8 anos”
“Ah, muito bem…”
Estão os dois com um sorriso de orelha a orelha.
“Daniel, queres ir pagar” (Já que só tu percebes o que ele diz…)
O culminar da saída! Passo-lhe o cartão multibanco e acompanho-o junto ao terminal. Deixo-o carregar na tecla verde depois do código.
Despede-se do seu novo amigo e trocam mais umas piadas. Entra para o carro feliz.
“Mãe, tenho que contai isto ao pai!!”
(também eu….)
"And we should consider every day lost on which we have not danced at least once. And we should call every truth false which was not accompanied by at least one laugh." Nietzsche
No comments:
Post a Comment